Com licença para matar: “Por que estão fazendo isso?”

Newsletter da Marco Zero

A resposta à pergunta feita por Wallison de Jesus Santos ao ver o tio, Genivaldo de Jesus Santos, ser torturado e morto por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Umbaúba (SE), na quarta-feira (25), trará elementos fundamentais para ajudar a entender o que está acontecendo com o Brasil. É uma pergunta simples, mas que exige uma resposta complexa. 

A primeira coisa a dizer a Wallison é que não “estão fazendo isso” apenas com  Genivaldo. “Fizeram isso” na chacina realizada pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) e pela Polícia Rodoviária Federal que resultou na morte de 26 pessoas na Vila Cruzeiro, no Complexo de Favelas da Penha, na terça-feira (24).  Como “fizeram isso” nas outras 593 chacinas policiais no Rio de Janeiro, só nos últimos 14 anos, segundo levantamento realizado pelo Grupo de Estudos de Novas Ilegalidades da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF).

Estão “fazendo isso” Brasil a fora, cotidianamente, majoritariamente contra “um povo bem específico, que mora em lugares específicos e tem uma cor de pele específica”, na definição que o antropólogo Orlando Calheiros usou em uma postagem na sua conta do Twitter.

Mas quem está “fazendo isso” e por quê?, como bem perguntou Wallison. Sobre quem está fazendo, as imagens são claras. Então, vamos direto ao por quê.

Para Orlando, “o Brasil foi sequestrado pelas chamadas forças de segurança. E não é de agora. Esse sequestro é o legado direto da Ditadura Militar, que submeteu o Brasil a uma verdadeira máquina de terror”. Para ele, a Polícia Militar, a Civil, a Federal, a Rodoviária… todas elas se estruturam na ideia de que a população, o povo mesmo, é a principal fonte de ameaças. “E isso não tem outro nome que máquina terrorista”.

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o professor e advogado Sílvio Almeida descreveu os dois recentes episódios, no Rio de Janeiro e em Sergipe, como exemplos genuinamente brasileiros do que é necropolítica, “esta mistura macabra de biopolítica, estado de exceção e estado de sítio que leva para favelas e periferias as técnicas de controle criadas nas plantations e nos campos de extermínio. Estamos à mercê de assassinos respaldados pelo Estado brasileiro”.

Juliana Borges, consultora do Núcleo de Enfrentamento, Monitoramento e Memória de Combate à Violência da OAB-SP e conselheira da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, argumenta que, “o que vemos nos últimos anos é um aumento da letalidade policial. Dizendo por cima, vemos um refinamento da institucionalização da violência por parte do Estado.

A institucionalização da barbárie está claramente exemplificada em dois documentos oficiais divulgados após a morte de Genivaldo. O primeiro é a nota da própria PRF normalizando tudo que aconteceu ao dizer que foram usadas “técnicas de menor potencial ofensivo”. O segundo é o Boletim de Ocorrência do caso onde a Polícia Civil não só deixou de registrar nomes de policiais que sufocaram Genivaldo como não os interrogou e ainda registrou a ocorrência como “morte a esclarecer sem indício de crime”.

O bolsonarismo intensificou e institucionalizou essa necropolítica, essa “máquina de terror” (que obviamente sempre  existiu no Brasil). Para Orlando Calheiros,  o bolsonarismo é uma espécie de reconexão dessa “máquina de terrorismo” com o Estado (que havia se desfeito com o fim da ditadura), uma tentativa do governo de retomar o seu controle, mesmo de uma força extrajudicial. Por isso, “Bolsonaro sabe o que faz quando comemora a morte de 26 pessoas numa operação policial. Não é apenas sadismo, é um aval oficial: um aceno para que a máquina de terror siga operando sem receios”. Um licença para matar pobres.

PRF participa de operação que resultou em chacina na Vila Cruzeiro, na cidade do Rio de Janeiro, nesta terça (24) | Foto: Divulgação / PRF

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

seis + 5 =